UM NOVO PARADIGMA NO DESENVOLVIMENTO DE RECURSOS HUMANOS
Paulo Henrique Bolgar
Gerente de RH da Delphi Automotive Systems


I. INTRODUÇÃO
Muitos pesquisadores tem pesquisado o comportamento humano e constatado sua complexidade. Por isso o comportamento humano não pode continuar sendo considerado pelos enfoques administrativos e pelas óticas empresariais e gerenciais com a simplicidade mecanicista ainda dominante. Esta ótica focou o comportamento humano como se o homem fosse uma máquina. Definiu procedimentos para garantir resultados, elaborou rotinas de trabalho com regras rígidas e um rol de punições para quem não cumprisse seus mandos, ou seja, "padrões" estabelecidos. Deu certo por muito tempo e quando deixaram de funcionar, criaram outras mais sofisticadas que, pouco tempo depois, também não funcionaram.

Em geral os empresários e gerentes desejam coisas práticas e rápidas. Como diz Chanlat1, tendo instalado o econômico, o quantitativo e as organizações no centro do universo, nossa sociedade parece ter esquecido o resto, isto é, tudo o que não é redutível à formalização; por outro lado, como todo recurso a um pensamento externo e forçosamente crítico pode sempre ameaçar a ordem organizacional estabelecida, o mundo das empresas tem preferido as visões que lhe são menos incômodas.

Esta visão reducionista e mecanicista - e esta vontade de assegurar um sistema de controle de inspiração taylorista ou burocrática produziram alguns impactos perversos sobre as pessoas que começaram a ser vistos como um recurso substituível e manipulável, incapaz de pensar e participar da concepção do trabalho.

Apesar de reconhecermos a eficácia destes modelos num determinado momento da história, temos certeza que estes modelos são ultrapassados para o nosso momento. Precisamos mudar, o mundo mudou, nossa sociedade mudou e com isso temos que ver e tratar o indivíduo não somente como "mão-de-obra", ou ser pensante que é, mas também como um ser que sente, que fala e que tem desejos.

Torna-se urgente uma mudança de paradigma pela visão do indivíduo dentro deste novo contexto de modernidade e da globalização, pela visão abrangente e universal do pensamento complexo levando-se em consideração o seu todo bio-psiquico-social, pelo seu desenvolvimento cognitivo, e finalmente pela substituição das relações de autoridade e poder atual por processos argumentativos que procuram o consenso.

Neste trabalho procuraremos dar este enfoque abrangente e complexo do ser humano tendo-se como base o referencial teórico que citamos acima, procurando sempre enfocar a continuidade dos negócios das organizações atrelada a realização individual dos seus indivíduos através do trabalho.

1 CHANLAT, Jean F. Por uma Antropologia da Condição Humana nas Organizações, in O Indivíduo na Organização, Volume I e II. Editora Atlas

II. O CONTEXTO GLOBALIZADO

Nosso objetivo não é dissertar profundamente sobre este fenômeno chamado globalização, mas fazer uma abordagem de como este contexto tão poderoso influencia nossas vidas e nossa sociedade.

A globalização teve como seu grande alavancador a evolução da tecnologia da informação e das telecomunicações, levando-nos ao redimensionamento dos conceitos de espaço e tempo, a economias nacionais interdependentes, competição internacional e mudanças tecnológicas intensivas dentro de um período de tempo cada vez mais curto.

Todas estas mudanças tiveram como conseqüência (para alguns países) um tremendo crescimento econômico ou estagnação, relações sociais e de negócios desorganizadas, problemas sociais novos ou intensificados tais como: pobreza, desemprego, violência, riscos e incertezas .

Mas o que isso afeta a nós como seres humanos? Segundo Giddens 2, A globalização não é um processo único, mas uma mistura complexa de processos, que freqüentemente atua de maneira contraditória, produzindo conflitos, disjunções e novas formas de estratificação. Para Giddens, as tradições têm que explicar-se, tem que estar abertas aos questionamentos ou ao discurso, ou seja, devem ser repensadas e reformuladas.

Temos a necessidade de repensar nossa civilização industrial agora que o antigo sistema de sociedade industrializada está se desmoronando no decorrer do seu próprio sucesso e levanta a questão do surgimento de novos contratos sociais, ou seja, a "modernização reflexiva" citada por Giddens; que significa a possibilidade de uma autodestruição criativa para toda uma era: aquela da sociedade industrial.

Neste processo, a sociedade está acabando com sua forma de classe, camadas sociais, ocupação, familiar nuclear e também com os pré-requisitos e as formas contínuas de progresso técnico e econômico. A sociedade globalizada insere os indivíduos na turbulência da sociedade do risco global. È importante ressaltar que nesta inserção é o indivíduo particular desprovido de apoios sociais que se vê confrontando e convivendo com uma ampla variedade de riscos globais e pessoais diferentes e contraditórios.

Segundo Giddens, uma outra mudança provocada pela globalização é a reflexividade social, ou seja, os indivíduos devem se acostumar a filtrar todos os tipos de informação relevantes para a situação da sua vida e atuar rotineiramente com bases neste processo de filtragem. Segundo ele, um mundo de reflexividade intensificada é um mundo de pessoas inteligentes e esta reflexividade é um fator fundamental que introduz o deslocamento entre o conhecimento e o controle.

Seguindo este contexto de destradicionalização, a responsabilidade não é dever, ou seja, o cumprimento do dever nos obriga ao segmento rígido de normas e procedimentos, enquanto a responsabilidade implica o detalhamento dos motivos, as causas, as razões, a compreensão e não a lealdade cega.

Neste novo contexto as pessoas terão que ter habilidade para interpretar, modificar, corrigir e repensar o conhecimento. Necessitaremos de pessoas com atitudes muito mais proativas, comprometidas, e abertas a novas idéias através do diálogo como um meio para o entendimento das emoções em busca de uma maturidade emocional. Pessoas capazes e abertas a reformular novos valores, estratégias e relações sociais e de trabalho.

2 GIDDENS, A., BECK,U. e SCOTH,L. Modernização Reflexiva, São Paulo, Editora UNESP

III. O PARADIGMA DA COMPLEXIDADE

Talvez não devamos tratar a complexidade como um novo paradigma de ciência, mas talvez como uma nova visão de ciência. Porque uma nova visão?

Podemos dizer que o pensamento complexo é uma nova maneira de ver a ciência, casando o singular com o todo. A teoria da complexidade é hologramática, ou seja, mostrando-nos que não é através de um único parâmetro que se tem a dimensão da realidade.

Edgar Morin deixa claro que complexidade não é complicação. A ambição do pensamento complexo é dar conta das articulações entre domínios disciplinares que são quebrados pelo pensamento disjuntivo; este isola o que ele separa e oculta tudo que o liga, interage e interfere.

A complexidade aparece onde o pensamento simplificador falha, isto é, a complexidade conduz á eliminação da simplicidade.

Diante da dificuldade de compreender e dominar o complexo, nossa tendência é de nos adaptarmos a uma atitude reducionista e de nos voltarmos para os pontos de vista mais simplistas.

A complexidade sempre existiu, mas ela se amplia continuamente. Esta complexificação incessante é o sentido da evolução da vida. À medida que certos aspectos da complexidade são entendidos, outros se manifestam através do imprevisto, o incerto ou o ingovernável.

Embora não se limite a este aspecto, o termo "complexidade" designa primeiro aquilo que nos escapa, aquilo que temos dificuldade em compreender e dominar, Neste aspecto, complexidade de distingue da complicação de que, com esforço, conseguimos chegar ao fim.

É claro que a empresa não está isenta desta complexidade. Ela se manifesta sobretudo do volume de teorias e modelos de administração – modismos temporários e milagrosos, a incerteza das organizações e a ampliação das interdependências.

Adicionado a isto, o impulso rápido das telecomunicações e de novas tecnologias, a globalização da economia, o crescimento das atividades imateriais (serviços), e as profundas mudanças da ciência tem acelerado ainda mais este movimento a complexidade.

O progresso muitas vezes, segundo Genelot 3, é obtido por complexificação. È aí que os dirigentes encontram o maior desafio que é dotar-se de métodos de pensamento que lhe permitam ao mesmo tempo inventar o progresso e limitar seus efeitos nocivos.

A. CARACTERÍSTICAS DA COMPLEXIDADE

Segundo Genelot, podemos chamar de complexo o que não podemos compreender e a dominar completamente, e que esta se manifesta em 3 níveis:

3 GENELOT, Dominique. Manager Dans La Complexité – INSEP Editions, Paris, 1992

Num primeiro nível, podemos concluir que na complexidade:

B. A REPRESENTAÇÃO DA COMPLEXIDADE

A realidade não é independente de quem a contempla, as coisas, os acontecimentos, as pessoas , as situações assumem a forma que lhe damos em virtude de nossa visão de mundo, de nossas intenções no momento e do contexto que tudo isto se desenrola. Aqui levantamos um ponto importante que é a dificuldade de representar as realidades complexas.

Diante desta dificuldade, nós nos enganamos e deixamos de lado o sombrio, o incerto e construímos representações artificialmente simples, compreensíveis e transmissíveis.

Cada pessoa tem uma forma diferente de compreender a realidade, e é este sistema individual que transforma a realidade que chamamos de sistema de representação. Segundo a natureza deste sistema, certos aspectos da realidade serão selecionados e ordenados de um certo modo em nossa representação.

Há uma parte no nosso sistema de representação que não podemos modificar, que é inata a nossa personalidade, mas há outra parte sobre a qual podemos agir, que podemos ao menos controlar. Os componentes deste sistema de representação são:

Este enfoque nos mostra uma dimensão importante das pessoas que por mais parecidas que sejam, trabalhando na mesma empresa, na mesma área, fazendo o mesmo tipo de trabalho podem ter visões completamente diferentes da realidade e inclusive, com medo do incerto e das mudanças, buscam não intencionalmente visões simples e reducionistas da realidade.

IV. A ORGANIZAÇÃO COMPLEXA

Onde se misturam e se sobrepõe lógicas muito diversas, o próprio pensamento deve se complexificar para apreender as situações e melhor orientar as organizações. O reconhecimento das particularidades, até mesmos dos antagonismos, a articulação de lógicas diferentes, devem substituir a exclusão que separa a realidade à uma parte se sua riqueza.

Lógicas diferentes que podem ser ao mesmo tempo complementares, concorrentes e até mesmo antagônicas, se encontram reunidas e coexistem em uma mesma unidade, sem que suas diferenças não sejam por isso coladas por esta unidade.

Edgar Morin 4 propõem o processo de "disjunção-conjunção" como alternativa a este modo mono-variável de assumir os problemas: as lógicas são distinguidas uma das outras e suas diferenças são afirmadas, mas não são separadas da problemática global a que pertencem. Sem negar suas respectivas existências, articula-se uma à outra em virtude de uma lógica superior que as integra sem reduzir suas especialidades. Essa tentativa se opõem completamente àquela que consiste em tirar um elemento de seu contexto, e excluí-lo do todo no qual ele toma sentido.

O principal que se defende é a análise do todo, atualmente a tendência é considerar o homem ao mesmo tempo força de trabalho, inteligência, afetividade e individualidade não limitando sua vida às fronteiras das empresas, levando-se em consideração também sua unidade e, na relação com os demais a combinação de bio-psiquico-social distinguindo uma das outras sem separá-las da visão global do indivíduo.

4 MORIN, E. Introdução ao Pensamento Complexo. Lisboa, Instituto Piaget, 1990.

V. SER HUMANO – UM SER PLURAL

A obsessão pela eficácia, pelo desempenho, pela produtividade, pelo rendimento a curto prazo que estão presentes nas nossas organizações e na sociedade, levou a maioria dos pesquisadores a concentrar seus interesses nestas questões e reduzir seus esforços a simples técnicas de controle e a ocultar ou desprezar certas dimensões humanas, tais como: a dimensão cognitiva e da linguagem, a dimensão espaço-temporal, a dimensão psíquica e afetiva, a dimensão simbólica, a dimensão da alteridade e a dimensão psicopatológica.

Podemos então compreender porque, cada vez mais contestam-se esta concepção instrumental, adaptativa, e mesmo manipuladora da ser humano, interrogando-se sobre as dimensões esquecidas e outras perspectivas teóricas. Deste modo, procuram tornar compreensível a experiência humana e captar cada vez mais sua complexidade e riqueza.

"O ser humano é sujeito e não objeto da ação".

A UNIDADE FUNDAMENTAL DO SER HUMANO

A ciência em geral e mais particularmente as ciências humanas tem sido submetida até o momento ás leis da divisão intelectual do trabalho e as ciências do comportamento organizacional não escaparam a esta regra. Tal dispersão teve por conseqüência fechar os pesquisadores num mundo intelectual relativamente estreito tendo igualmente como conseqüência uma imagem fragmentada do ser humano.

Esta concepção de pessoa em pedaços provocou um duplo efeito: no plano disciplinar, conduziu ao reducionismo e do imperialismo psicológico, biológico ou sociológico e, no plano organizacional, desembocou em práticas e ações sociais que ocultam grande número das dimensões humanas. A concepção dominante de um ser humano racional, reagindo a estímulos externos deve ser inteiramente revista e questionada.

O ser humano é muito mais complexo para se deixar resumir em uma tal concepção (Edgar Morin, 1973). È o momento de restituir a unidade e a especificidade ao ser humano, destacando-se também as dimensões fundamentais e os diversos níveis de análise.

O SER HUMANO, AO MESMO TEMPO GENÉRICO E SINGULAR

O ser humano, acima das diversidades das disciplinas que o estudam, é uno. È único enquanto espécie e enquanto indivíduo. Se, por razões bem evidentes, os cientistas fragmentam o saber em partes distintas – biologia, psicologia, sociologia, etc. não é menos verdadeiro dizer que ele aparece como um todo cujos diferentes elementos estão intimamente interligados. Baseado nesta posição, torna-se evidente que todo reducionismo, quer seja de ordem psicológica, sociológica ou biológica não tem nenhum sentido.

O seu humano que acabamos de definir é um ser genérico, ou seja, uma pessoa que se define por pertencer a uma espécie humana, pelas características que são sua conseqüência – pensamento, linguagem, personalidade. Aliás, este ser genérico se encarna sempre em um ser concreto: homem ou mulher, pai ou marido, operário ou executivo. È uma existência singular do indivíduo no mundo que lhe confere sua especificidade. Ou seja, se o homem abstrato existe enquanto representação e categoria intelectual, em troca ele aparece sempre na realidade quotidiana sob uma forma concreta particular, numa situação de fato. Toda pessoa tem assim ao mesmo tempo o genérico e o específico.

O SER HUMANO, ATIVO E REFLEXIVO

Uma das características do ser humano é pensar e agir. A reflexão e a ação são duas das dimensões fundamentais da humanidade concreta, ou seja, negar a reflexividade do ser humano seria jogar o homem no mundo pavloviano onde os reflexos condicionados exercerão a tarefa de socialização.

Vale ressaltar que em todo sistema social, o ser humano dispõe de uma autonomia relativa. Marcado por seus desejos e aspirações, ele dispõe de um grau de liberdade, sabe o que pode atingir e que preço estará disposto a pagar para conseguí-lo no plano social.

O SER HUMANO, UM SER DE PALAVRA

A construção da realidade e as ações que pode empreender o ser humano não são concebidas sem se recorrer a uma forma qualquer de linguagem. È graças a esta faculdade de expressar em palavras a realidade, que se pode aceder ao mundo das significações.

A linguagem constitui um objeto de estudo privilegiado e sua exploração no contexto organizacional é permitir que se desvendem as condutas, as ações e as decisões. Reduzir portanto a comunicação humana nas empresas a uma simples transmissão de informação, é elidir todo problema do sentido e das significações. É condenar-se a não poder apreender em profundidade nem simbólico organizacional nem a identidade individual e coletiva.

O SER HUMANO, UM SER DE DESEJO E DE PULSÃO

O ser humano não pode reduzir-se a uma organismo submetido a um bombardeamento de estímulos. Ele é também um ser de desejo, de pulsão e de relação. A constituição de todo ser enquanto sujeito passa por esta relação poliforme com o outro. É através dele que ele se constitui, se reconhece, sente prazer e sofrimentos, satisfaz ou não seus desejos e pulsões.

O SER HUMANO, UM SER SIMBÓLICO

O Universo humano é um mundo de signos, de imagens, de metáforas, de emblemas, se símbolos e de mitos. Todo ser humano e toda sociedade humana produziram uma representação do mundo que lhe confere significação.

A organização enquanto espaço particular da experiência humana, é uma lugar propício a emergência do simbólico. Segundo Schein, este modismo de busca da cultura da empresa é sinal de um desconforto existencial em relação ao trabalho e do caráter eminentemente simbólico da atividade humana.

Por esta razão é que a parte fundamental considerada neste trabalho é o reconhecimento da pessoa, do indivíduo, não como simples recurso a ser manipulado, mas em seu todo bio-psíquico-social, que tem condições de aprendizado através da problematização e não somente pelo adestramento condicionado, que pode ter seu desenvolvimento cognitivo para a participação efetiva e consciente do processo que o cerca.

VI. O DESENVOLVIMENTO DAS ESTRUTURAS COGNITIVAS

Após o reconhecimento do indivíduo como prioridade das organizações e a necessidade de uma visão pluralista deste ser, vamos nos questionar se tal indivíduo tem efetivamente participação consciente, intelectual no processo decisório das ações que lhe afetam diretamente ou que ele poderia ser capaz de colaborar.

Vamos recorrer as teorias de Piaget 5 sobre o processo de desenvolvimento cognitivo, mas para nos concentrarmos no indivíduo dentro da organização, consideremos que tal indivíduo desenvolveu-se perfeitamente até o nível operatório concreto (é importante ressaltar que o tal desenvolvimento depende do meio no qual o indivíduo está inserido) próximo de onde se encontra o nível mais complexo e elaborado do sistema cognitivo – o operatório formal.

Neste nível o indivíduo tem condições de análise não somente ao que tem-se de concreto, sendo uma das características principais a aplicação das operações em hipóteses formuladas em palavras mas também a possibilidade combinatória que é a relação de quaisquer proposições e operações com outras. A cognição é um processo com vistas à aquisição de novos conhecimentos e abrangem a percepção, a memória, a imaginação, o raciocínio e a solução de problemas.

A grande questão entretanto, é como ajudar, como possibilitar que o indivíduo ingresse neste último degrau do desenvolvimento cognitivo, ou por outro lado, o que não fazer para ajudar tal desenvolvimento. Neste caso entramos nas organizações que...

(...) explicitam os seus objetivos através de normas, regulamentos, instruções de trabalho, programas de treinamento que poderão ser estimuladores ou bloqueadores de desenvolvimento cognitivo de seus membros. (AGUIAR, 1997-192).

A condição fundamental para que seja possível o crescimento cognitivo dos indivíduos na organização é mais do que simplesmente alguns treinamentos. È a adoção de uma postura empresarial adequada e compatíveis com a aquisição de conhecimentos, com o desenvolvimento do raciocínio e com a ação inteligente dos indivíduos.

A centralização do poder, o processo de decisão centralizado nas esferas superiores, o sistema gerencial autocrático, as normas e procedimentos rígidos, as más condições de trabalho, o estresse do dia-a-dia, os processos de treinamento fundamentados na aprendizagem por condicionamento estão entre os vários fatores que explicitam a incoerência entre as políticas e diretrizes da organização e o crescimento mental dos seus membros. Temos que nos questionar e buscar maneiras práticas e simples de desenvolver o raciocínio, a inteligência, a criatividade, enfim tudo que levar ao crescimento cognitivo dos indivíduos dentro das organizações.

EVANS, R. Jean Piaget, o Homem e suas idéias, São Paulo, Editora Forense

VII. FORMAÇÃO ÉTICA – ÉTICA DISCURSIVA DE HABERMAS

Como a última, mas não menos importante das abordagens deste trabalho, somente poderia caminhar para a resolução de problemas e oportunidades através do consenso. Sendo que, se os indivíduos são vistos dentro de uma visão complexa e respeitados como um todo bio-psíquico-social, se tais indivíduos têm o desenvolvimento cognitivo em seu ponto mais elevado, podendo elaborar as possibilidades combinatórias e finalmente tenham o pensamento complexo como diretriz, não há como trabalhar com tais indivíduos através da imposição de idéias ou de manipulação, somente será aceito e considerado como válido o processo argumentativo, o Discurso Prático.

Segundo Habermas 6, a ética discursiva está centrada em dois princípios da moralidade – Justiça e Solidariedade. A nova norma ética só poderá ser aceita, quando as conseqüências são antecipadas, analisadas e aceitas por todos, assegurando o bem estar do grupo e a garantia da dignidade e integridade de cada participante, como participantes autônomos de uma sociedade.

O que se apresenta não é um programa para que se obtenha resultados individuais ou de alguns grupos seletos na organização, vai além das visões simplistas e de pensamento linear, pois em tal cenário não será cabível a utilização de força, seja violência física, ou qualquer forma de manipulação. Os pilares dos relacionamentos estarão sob a influência da justiça, da verdade e da veracidade.

Uma organização que trabalhe com estes princípios, transformará seus indivíduos em co-participantes do processo decisório e com isto passarão de apenas executores de tarefas direcionadas, a colaboradores do processo produtivo e organizacional, substituindo o Dever do fazer pela Responsabilidade do assumir, isto porque

Mas será que tal processo é fácil de se alcançar? É muito mais cômodo que as decisões sejam tomadas por quem detêm o poder e que os níveis hierárquicos inferiores sejam apenas obreiros de ações predeterminadas. Mas este é o caminho que deve ser seguido pelas organizações que desejem ter a continuidade de suas operações, pois os indivíduos evoluem, e organizações que permanecerem no paradigma antigo (atual) de Recursos Humanos no trabalho, terão como resposta, a baixa produtividade, falta de engajamento e falta de responsabilidade e sendo assim, como continuar?

A prática de tal processo argumentativo nas organizações, se dará quando os indivíduos estiverem conscientes da importância e da razão de cada uma de suas responsabilidades dentro do processo, quando as mudanças tiverem envolvimento dos indivíduos, para que estes coloquem as suas opiniões, quando tais indivíduos questionarem processos e políticas tenham como respostas os argumentos (a razão) de existirem e que justifiquem o funcionamento destes.

As dificuldades de tal processo, será compensada imensamente, pelo aumento de comprometimento entre os indivíduos e a organização, e pelo reconhecimento da importância dos indivíduos para a empresa.

6 HABBERMAS, J. Consciência Moral e Agir Comunicativo

VIII. CONCLUSÃO

Contrariamente à idealização que se propõem com freqüência no mundo do negócios, a organização aparece freqüentemente como um lugar propício ao sofrimento, à violência física e psicológica, ao tédio e ao mesmo tempo ao desespero não apenas nos níveis mais baixos como também nos níveis intermediário e superior. Em um mundo essencialmente dominado pela racionalidade instrumental e por categorias econômicas rigidamente estabelecidas, os homens e mulheres que povoam as organizações, na maioria das vezes, são considerados apenas recursos, isto é, como quantidades materiais cujo rendimento deve ser satisfatório do mesmo modo que as ferramentas, os equipamentos e a matéria-prima. Associado ao universo das coisas, as pessoas empregadas nas organizações transformam-se em objetos. Em alguns casos só acontecimentos extraordinários fazem emergir sua condição humana.

Acontece que no mundo das pessoas, os acontecimentos não seguem uma ordem previsível. O ser humano pela sua essência e características peculiares, tem uma natureza que o faz diferente e único. Não é fácil prever suas reações nem estabelecer uma cadeia de atividades a ser seguida como um autômato. Por isso, o comportamento humano não pode continuar sendo considerado pelos enfoques administrativos e pelas óticas empresariais e gerenciais com a simplicidade mecanicista ainda dominante.

Reunir o que estava até agora separado, colocar em evidência as dimensões esquecidas, reafirmar o papel do indivíduo, da experiência, do simbólico nas organizações e ao mesmo tempo restitui-los ao seu quadro sócio-histórico, é a ambição desta complexidade do seres humanos nas organizações que procuramos construir.

A verdade é que pouco se mudou nestes últimos anos, e um dos fatores que contribuiu para este cenário foi o fato de que durante muito tempo se valorizou o capital financeiro como principal recurso das empresas. Pensava-se que as empresas fossem constituídas principalmente de dinheiro e capital. Contudo muitas empresas com elevado nível de capital financeiro simplesmente desapareceram do mercado nestes tempos de instabilidade e turbulência.

A realidade é que algumas empresas começaram a perceber que elas eram basicamente constituídas de pessoas, mas estas nunca foram adequadamente utilizadas e motivadas e, por isso, a maior parte das empresas administra hoje uma pesada herança do passado; pessoas acomodadas e acostumadas a um baixo desempenho sem nenhuma criatividade ou inovação, preocupadas exclusivamente com a rotina cotidiana e a garantia no emprego, submetidas a uma cultura empresarial inflexível e com lideres igualmente despreparados. São empresas "burras" ou com baixo capital intelectual.

O caminho desta mudança de paradigma se dará com as características da Recursão Organizacional já apresentada, pois será com a evolução dos indivíduos que haverá a evolução das organizações, estas por sua vez fará com que os indivíduos evoluam e este ciclo não terá fim.

E tal processo, invariavelmente evoluirá também as relações sociais como um todo, pois os indivíduos não existem somente dentro dos quadros das organizações e assim a sociedade como um todo terá modificações no relacionamento pessoal e o próprio questionamento de poder, normas e conceitos gerais se darão.

Como resultado espera-se a continuidade e evolução dos negócios das organizações e assim a garantia da subsistência dos indivíduos que aí adquirem seus recursos materiais, mas sem dúvida o que será de grande importância neste novo paradigma será o reconhecimento dos indivíduos como sendo o grande diferencial a receber investimento nas organizações e o principal reconhecimento será o respeito a visão de todo (bio-psíquico-social) que eles terão, além de terem suas opiniões sendo ouvidas, sendo atendidas ou quando não, recebendo argumentações que defendam os padrões e aceitação pelo consenso e pela ética discursiva.

Finalizando, as organizações não têm vida própria, são os indivíduos que lá estão que dão a ação e a cultura a elas, o que se tem então são vários níveis de poder, e os processos decisórios se mantêm apenas em níveis mais altos, e assim para a aplicação e aceitação deste novo paradigma deverá fazer o reconhecimento de todo o grupo de trabalho, de todos os indivíduos, para que se evite a imposição de uns em relação aos outros. E para reforçar, tais modificações são urgentes e delas dependerá o sucesso das organizações que existem hoje, pois sem a valorização do indivíduo, não se pode garantir como elas estarão no futuro.

Concluímos então que, administrar pessoas vem antes, durante e depois da administração do capital ou qualquer outro recurso empresarial. Segundo Thomas A. Stewart 7, as empresas que se deram conta disso e voltaram-se para seus funcionários, são hoje as mais bem sucedidas do mercado.

"o verdadeiro investimento na sociedade do conhecimento não é em máquinas e ferramentas, mas no conhecimento do trabalhador do conhecimento...- o trabalhador industrial precisava infinitamente mais do capitalista do que o capitalista precisava dele... Na sociedade do conhecimento, o pressuposto mais provável das organizações – e certamente aquele que elas tem que se guiar – é que as empresas precisam muito mais dos trabalhadores do conhecimento do que eles precisam delas"

Peter Drucker

"The Age of Social Transformation"

7 STEWART, T.A. Capital Intelectual – A Vantagem Competitiva das Empresas, Rio de Janeiro, Ed.Campus, 1998.

TRABALHO DE CONCLUSÃO DE CURSO
MESTRADO EM ADMINISTRAÇÃO, PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PROGRAMA DE ESTUDOS DE PÓS-GRADUADOS EM ADMINISTRAÇÃO.