A ESTRATÉGIA EMPRESARIAL NA SOCIEDADE DO CONHECIMENTO
(Revista da ESG Ano XVII, nº 39)

                                                                                                                                            Prof. Júlio Dolce *

Clarissa Dolce Anderson **

               "Keep your objectives always in mind, while adapting your plan to circumstances" - Sir Liddell Hart

Resumo

Atualmente tem se discutido, intensamente, nos círculos acadêmicos e nas empresas, o fato de que as estratégias empresariais baseadas em sistemas de informação (SI) e montadas a partir das novas tecnologias da informação (TI), podem levar as organizações tanto ao sucesso como à falência. Diferentes modelos para formação e implementação das estratégias de SI/TI nas empresas tem sido apresentados e testados, porém, na sua maioria ligados às estratégias corporativas mecanicistas do século passado. Este artigo apresenta diferentes perspectivas no emprego das estratégias de SI/TI e sugere de que modo as empresas devem se organizar para competir na nova sociedade do conhecimento que começa a se instalar num mundo globalizado. Faz ainda uma crítica ao modelo de alinhamento automático entre a estratégia de SI/TI e a estratégia corporativa. Nesse modelo, SI/TI serve apenas de suporte à implementação da estratégia da empresa. Da teoria da complexidade surgem as idéias de auto-organização (self-organization) e autoprodução (autopoiesis) para mostrar que as empresas, na sociedade do conhecimento, devem ser tratadas como sistemas biológicos autoproduzidos. Nessas empresas, a estratégia corporativa surge num processo de auto-organização, onde se dá grande importância à capacidade de improvisação e multifunção (bricolage) dos seus componentes, uma perspectiva ainda não percebida por muitos administradores. Nesse novo enfoque, a estratégia de SI/TI resulta do acoplamento estrutural entre a estratégia corporativa autoproduzida e as tecnologias de informação, existentes no ambiente interno e externo da empresa. Finalmente, para que as organizações prosperem na complexa sociedade do conhecimento, elas devem gerar processos criativos de crescimento coerentes com a sua identidade. Isso se torna possível à medida em que as empresas encontram o equilíbrio entre o grau de abertura às perturbações na sua estrutura e de flexibilidade em permitir improvisação nos seus métodos e processos.

1. Introdução

1.1 Conceitos iniciais

A utilização do SI na administração de empresas surgiu, há três décadas atrás, como um modelo a ser adotado por todas as organizações modernas. Depois de alguns insucessos, muitas vezes erroneamente, atribuídos à falta de competência técnica dos seus executores, descobriu-se que, na verdade, era preciso uma profunda reformulação nas estratégias de emprego do SI, de modo a tirar dele a pecha de racionalismo, certeza e controle quase absolutos. Atualmente, os sistemas de informação vão além do campo puramente tecnológico e são muito mais do que complexos sistemas computacionais. Eles ganharam um status social e passaram a ser debatidos por filósofos, sociólogos, administradores, estrategistas, psicólogos tanto quanto por técnicos e cientistas. Por isso, o estudo de SI ganhou um caráter interdisciplinar devido aos diversos domínios que ele abrange e seus atores não são mais meros usuários, mas passaram a ser ativos participantes do sistema, o que trás conseqüências imprevisíveis. Essa nova perspectiva vai permitir ao SI uma inserção mais natural no processo, mais próxima da realidade e certamente substituirá, definitivamente, as antigas idéias de um sistema computacional impenetrável e todo poderoso das organizações.

Antes de continuar este artigo, vamos definir e diferenciar sistema de informação (SI) de tecnologia da informação (TI). De uma maneira geral, podemos dizer que sistema de informação (SI) se refere a um conjunto de interações que compreende não apenas artefatos tecnológicos mas também os processos, as pessoas, suas idéias e as múltiplas interações que ocorrem entre os membros de uma organização, no ambiente interno e com outras organizações, no ambiente externo. Já tecnologia da informação (TI) se refere aos equipamentos de toda natureza e aos meios materiais de toda ordem que compõem o sistema de informação, incluindo, principalmente, o sistema de computação.

1.2 Principais aspectos da teoria da complexidade

A teoria dos sistemas complexos é uma teoria interdisciplinar que cresceu enormemente nos últimos vinte anos. Na verdade, ela é composta de várias teorias dos diversos campos do saber, de onde obtém seus principais conceitos. Uma dessas teoria é a teoria do caos, aplicada a ciências tão diversas como Biologia, Química, Matemática, Física e mais recentemente à Administração de Empresas.

O estudo da teoria da complexidade levanta questões sobre a real eficácia em administrar uma empresa pelo modo tradicional e linear de comando e controle, propostos nos manuais de administração. Hoje em dia, sabe-se que as empresas, por serem organizações sociais, possuem sistemas complexos com estruturas imprevisíveis, incertas e em permanente desequilíbrio. Empregando a analogia com os sistemas vivos, ao invés das máquinas, os administradores podem, através desse novo enfoque, mudar seu ponto de vista e perceber que para uma empresa atingir o sucesso, na sociedade do conhecimento, os relacionamentos pessoais e as comunicações são muito mais importantes do que os processos e a estrutura da organização.

A teoria da complexidade trata da inovação, aprendizado e adaptação dos sistemas, além da natureza dos acontecimentos em um universo integral e por demais rico e variado para ser compreendido por mecanismos simples, obedecendo comportamentos lineares. Alguns processos no universo podem ser entendidos por esse modo mecanicista de pensar, já os fenômenos mais abrangentes e intrincados só podem ser compreendidos através de novos princípios e modelos, como os propostos pela teoria da complexidade.

Uma exposição mais aprofundada da teoria da complexidade e suas aplicações estão além dos objetivos deste artigo, porém alguns dos seus conceitos principais serão brevemente explicados pois serão empregados na teoria da auto-organização que utilizaremos a seguir.

1.3 Principais aspectos da teoria da auto-organização

Dentro da teoria da auto-organização existem dois conceitos importantes que serão apresentados a fim de se entender melhor como os fenômenos da auto-organização podem influenciar a estratégia empresarial na sociedade do conhecimento. O primeiro é o conceito de estruturas dissipativas, com suas interpretações e aplicações, que será explicado sumariamente, e o segundo é o conceito de autoprodução (autopoiesis) que será explicado em maiores detalhes, pois servirá de base para este trabalho.

1.3.1 Estruturas dissipativas

Estruturas dissipativas são sistemas abertos onde reações físico-químicas mantêm as trocas de energia e matéria com o meio exterior de tal modo que isso produz uma auto-organização e uma estrutura estável global por um período de tempo prolongado, mantendo continuamente a dissipação de entropia igual a entropia gerada nesse processo. Essas estruturas foram estudadas por Ilya Prigogine que estabeleceu o princípio da flutuação, fenômeno que ocorre em sistemas abertos bem longe do ponto de equilibro termodinâmico.

De acordo com a Segunda Lei da Termodinâmica, a entropia de um sistema isolado cresce até atingir o estado de equilíbrio termodinâmico. Futuros estados só podem ter igual ou maior entropia enquanto estados passados só podem ter igual ou menor entropia. Os valores de igualdade são teóricos e dizem respeitos àqueles sistemas que passam por transformações ditas reversíveis.

No mundo real, as transformações de um sistema são sempre irreversíveis, ocasionando o aumento da entropia nos estados subsequentes. Esse aumento de entropia pode ser interpretado como um aumento da desordem do sistema, em direção à máxima desordem. Entretanto, nos sistemas abertos com estruturas dissipativas existe a possibilidade de continuamente importar energia do meio externo e exportar entropia. Desse modo, uma nova ordem surge nessas estruturas que se tornam casos especiais de auto-organização espontânea, em continua evolução. Esses sistemas se encontram em estado de auto-organização dissipativa em oposição à auto-organização conservativa que ocorre nos sistemas fechados em estado de equilíbrio termodinâmico.

Existem três condições para que espontaneamente ocorra a formação de estruturas dissipativas em um sistema: 1. abertura para o meio externo com troca de energia e matéria, 2. estar bem longe do ponto de equilíbrio termodinâmico e 3. presença de reações catalíticas em cadeia auto-alimentadas. Isso tudo resulta num comportamento não-linear dos processos, onde a ordem ora é destruída ora é preservada, ou então ela surge bem longe do ponto de equilíbrio termodinâmico, depois de um período de instabilidade. Quando atinge esse ponto o sistema parece se renovar continuamente, mantendo um regime de estabilidade global no espaço e no tempo, como se existisse apenas para manter sua integridade e autorenovação.

1.3.2 Autoprodução (autopoiesis)

A palavra poiesis vem do grego e quer dizer produção, daí autopoiesis=autoprodução. Um sistema autoproduzido é um sistema capaz de gerar seus próprios componentes e processos, e sempre que necessário, por si mesmo, reorganizar sua estrutura para se ajustar a um novo ambiente, sem perder sua identidade. Uma célula, por exemplo, produz seus componentes e processos por si mesma que por sua vez a mantém viva. Ela recebe energia do meio e produz os componentes e processos que a constitui que por sua vez são os elementos capazes de gerar esses componentes e processos num, círculo contínuo. Todos os sistemas vivos, de acordo com Varela e Maturana, são sistemas autoproduzidos que funcionam como entidades autônomas. Eles desenvolveram um critério de seis pontos para identificar se um sistema é autoproduzido:

  1. Todos os componentes do sistema analisado devem estar perfeitamente identificados.
  2. As propriedades dos componentes devem seguir princípios que estabeleçam relações de causa e efeito nas transformações desses componentes.
  3. O sistema deve ter uma fronteira com o meio externo perfeitamente delimitada.
  4. A fronteira deve permitir relações de troca com o meio exterior.
  5. A fronteira do sistema deve ser mantida pela interação dos componentes do sistema e portanto deve ser autoproduzida.
  6. Todos os componentes do sistema também devem ser autoproduzidos.

Existem algumas definições dentro da teoria da autoprodução que são importantes para o perfeito entendimento de como uma teoria surgida na Biologia pode vir a ser aplicada nas ciências sociais. Vamos considerar alguns desses conceitos antes de aplicar essa teoria na modelagem de uma estratégia empresarial.

a) Organização e Estrutura: Organização se refere as relações entre os componentes de uma entidade que definem as características dessa entidade de um modo único. A organização de um sistema determina sua identidade e o envoltório onde ele existe como unidade. Em outras palavras, são as propriedades ou relações essenciais de um sistema que o diferencia dos demais e que se não estiverem presentes podem transformá-lo em outro sistema. Já estrutura se refere a situação atual e a relação existente entre os componentes de um sistema no momento que é observado. A estrutura se constitui numa situação particular da entidade. A estrutura de um sistema pode ser mudada sem perda da sua identidade, desde que sua organização seja mantida. Por exemplo, organização é relação que os componentes de uma mesa devem ter entre si, para que ao observá-la possamos designá-la como mesa e não como uma cadeira ou uma porta. Uma mesa ainda continua organizada como tal mesmo tendo sua estrutura modificada por uma perna mais curta.

b) Sistemas determinados pela sua estrutura: São sistemas cujo comportamento é limitado pela sua estrutura. As modificações ocorridas nele dependem do seu estado num determinado instante. As possíveis transformações dependem das propriedades dos seus componentes estruturais e ocorrem em resposta a estímulos internos e externos. Entretanto, o meio exterior pode apenas inicializar essas mudanças, que na verdade, são determinadas internamente. A estrutura portanto define o alcance potencial dessas transformações e o conjunto de possíveis perturbações do meio externo que podem inicializar as mudanças de estado do sistema. São as chamadas organizações monolíticas que podem mudar mas somente elas determinam onde e como mudar.

c) Sistemas fechados organizacionalmente: São sistemas que não recebem nem fornecem estímulos ao meio exterior. Todos os possíveis estados de atividade devem sempre conduzir ou gerar atividades dentro deles mesmos. Sistemas autoproduzidos são desse tipo desde que o resultado da organização é sua própria organização. Não confundir com sistemas isolados que são sistemas com nenhum tipo de interação com o meio exterior, enquanto os sistemas fechados organizacionalmente possuem estruturas abertas interativamente, embora não aceitem qualquer forma de input ou output do meio exterior. São sistemas formados por sub-sistemas interconexos, com esquema de retroalimentação negativo que cria características comportamentais autoreferenciadas. Organizações que se acham autosuficientes e pouco se importam com o meio exterior.

d) Acoplamento estrutural: Este é um evento que ocorre onde quer que exista uma estória de recorrentes interações conduzindo a uma coerência estrutural entre dois ou mais sistemas. É semelhante ao conceito de adaptação, só que no caso do acoplamento estrutural ao meio exterior, este não condiciona as mudanças que estão sendo realizadas. As mudanças podem ocorrer e manter a autoprodução ou não ocorrer e conduzir o sistema à estagnação e até a sua falência.

e) Mudanças estruturais ontogônicas: Diz respeito àqueles sistemas que mantêm sua organização quando interagem com o meio exterior por meio de acoplamento estrutural onde a seqüência das transformações determina a estória da organização.

f) Sistemas autônomos: Sistemas autoproduzidos são também do tipo autônomos uma vez que eles devem produzir seus próprios componentes além de conservar sua organização.

A idéia de organizações como sistemas sociais autoproduzidos é extremamente interessante mas problemática. Dois aspectos precisam ser levados em conta tais como o da produção dos componentes do sistema social e o da produção dos elementos que constituem a fronteira que separa o sistema do meio exterior. Esses dois aspectos são importantes para a definição de autoprodução e não podem ser ignorados quando se trabalha com sistemas sociais.

Os pesquisadores em autoprodução aplicada a sistemas sociais podem ser divididos em dois grandes grupos. O primeiro cuida apenas dos aspectos formais da teoria de autoprodução dentro da organização social e trata a empresa como um sistema unitário, organizada como uma rede coerente de partes e processos, ao qual a autoprodução se insere. Já o segundo grupo busca entender os aspectos fenomenológicos tais como a observação, a linguagem e o acoplamento estrutural e vê a empresa como uma unidade que emerge da interatividade dos seus participantes, os quais dão suporte à organização e, por isso mesmo, são o objeto fundamental do interesse dos pesquisadores.

2. Aplicação da teoria da complexidade em sistemas sociais

Nas últimas décadas, o mundo acadêmico tem sido inundado com artigos que procuram aplicar a teoria da complexidade, devido a sua natureza multidisciplinar, para explicar os mais variados fenômenos. Apesar dessa teoria ter sido, inicialmente, criada a partir das ciências naturais ela vem sendo aplicada, mais recentemente, também às ciências sociais e em particular na problemática da administração empresarial. Essa transferência do domínio das ciências naturais para as sociais tem gerado controvérsias e trazido à superfície importantes aspectos, tanto filosóficos como práticos, até então escondidos pela impetuosidade dos pesquisadores e administradores em apresentar rápidas soluções para os problemas da organização empresarial.

Na ciência administrativa, termos como controle, burocracia, cultura, efetividade, estratégia, competição, eficiência, eficácia, ambiência, aprendizado, informação, conhecimento, entre outros, são altamente abstratos, difíceis de serem observados e quantificados. Por isso, eles não se prestam a aplicação do método cientifico e, por serem quase intangíveis, não possuem instrumentos confiáveis para sua medição. A procura de uma correspondência entre os elementos de um sistema natural complexo e de um sistema social é um processo mecanicista que viola a essência da própria teoria da complexidade. Alguns autores que buscam um modo racional de ajustar às ciências sociais conceitos como: certeza, controle e predicabilidade, se colocam no sentido oposto da nova onda caótica e incerta, inexoravelmente, trazida pela teoria que eles mesmos tentam aplicar.

Apesar dos componentes de um sistema social serem bem distintos na sua essência, ainda assim muitas semelhanças e comparações podem ser encontradas entre eles e os componentes de um sistema físico. Existem várias dificuldades quando se trata de transferir os conceitos estabelecidos em um campo do saber para outro completamente diferente e os pesquisadores não ignoram essas barreiras que dificultam o uso eficiente da teoria da complexidade nas ciências sociais. Dificuldades que surgem das contradições ontológicas e epistemológicas que ocorrem, sobretudo, quando se deixa o campo puramente teórico para o da aplicação prática. Entretanto, apesar dessas discrepâncias serem relevantes num estudo mais rigoroso, alguns pesquisadores ainda acreditam que por analogia, se deixarmos de lado algumas formalidades, seja possível a aplicação da teoria da complexidade no campo social, de modo simplificado e metafórico.

3. O processo de formação da estratégia empresarial

Estratégia é um dos conceitos mais importantes e polêmicos em administração de empresas. Importado das aplicações militares, como a arte dos generais em empregar os meios disponíveis para atingir seus objetivos, a estratégia vem sendo aplicada no mundo dos negócios desde as primeiras formulações da moderna administração industrial e tem se tornado tópico obrigatório na literatura sobre administração, nas últimas décadas. Principalmente, depois que os pesquisadores passaram a utilizar, na administração, as reflexões sobre estratégia militar e arte da guerra escritas por Clausewitz, no século XIX, Liddell Hart, neste século e muito anteriormente por Sun Tzu, no século IV A.C.

Mais recentemente, o termo estratégia, aplicado ao modo de administrar uma empresa, vem sendo redefinido por diversos autores que apresentaram outras perspectivas e novas concepções para o termo estratégia, como vem sendo empregado na literatura especializada. As mais comuns incluem o "processo de adaptar as atividades de uma organização à sua capacidade de recursos e ao meio ambiente" (Johnson & Scholes) ou "o conjunto de filosofias e programas de uma empresa" (Angell e Smithson). Entretanto, a maior parte dos autores modernos concordam que estratégia representa o conjunto de planos e intenções elaborados por administradores seniores a fim de obter resultados de acordo com suas expectativas.

O trabalho publicado por Mintzberg (1987) foi o mais importante para estabelecer que o termo estratégia, aplicado aos negócios, requeria mais de uma definição para seu perfeito entendimento. Ele apresentou sua teoria através de cinco P’s, a saber em Inglês: plan, pattern, position, perspective, ploy. 1. Estratégia é um plano, uma direção, um caminho, um olhar à frente, um propósito e por isso mesmo entendida como estratégia de intenções. 2. Estratégia é um modelo, uma tendência a ser seguida baseada no comportamento passado e tanto pode assumir a forma de uma estratégia pré concebida, quando derivada de modelos anteriormente estabelecidos, quanto assumir a forma de uma estratégia emergente, quando surge naturalmente no desenrolar das atividades. 3. Estratégia é posição pois envolve a escolha de uma base física ou uma situação vantajosa. 4. Estratégia é uma perspectiva, uma visão da organização. 5. Estratégia, finalmente, pode ser vista como uma artimanha, uma manobra para vencer um competidor. Em outras palavras podemos dizer que estratégia indica a direção e estabelece a manobra, concentra os esforços e busca a definição, posiciona a empresa e sobretudo proporciona consistência às decisões.

Mais recentemente, surge uma outra questão que se junta ao debate do emprego da estratégia no mundo dos negócios: trata-se da relação entre a estratégia corporativa e a estratégia de SI/TI. Estava claro pela lógica e na prática que os sistemas de informação (SI) e as tecnologias de informação (TI) não podiam ficar divorciados das intenções e dos objetivos da empresa. Sob esse ponto de vista a teoria do alinhamento estava correta, entretanto é preferível ver isso mais como uma coerência estratégica do que uma subordinação. Entretanto, foi o modo cartesiano de ver o mundo que fez com que se elaborasse a teoria do alinhamento de uma maneira completamente inapropriada para a sociedade do conhecimento. Os conceitos válidos para a organização das empresas na era industrial não mais prevaleciam numa sociedade onde a velocidade das informações obrigavam-nas a constantes transformações.

Claudio Ciborra em resposta a esses desafios propôs uma perspectiva alternativa na qual ele mostrava que a estratégia de formulação e implementação dos negócios não poderia ser separada da sua fase de execução, como era proposto na teoria do alinhamento. Ele mostrou que, num mundo de rápidas transformações, a multifunção (bricolage) e a improvisação exerciam um importante papel na forma e no modo como a estratégia seria executada. Suas idéias casaram perfeitamente com o trabalho que Mintzberg estava começando a publicar na área de estratégia empresarial.

Também ficou claro que a proposta de Ciborra, com sua análise original sobre o relevante papel da improvisação e da multifunção na fase executiva, exigia das empresas uma estrutura mais flexível onde seus elementos correspondessem a uma descrição coerente com os diversos processos estratégicos. E, sobretudo, que não inibisse o aparecimento de soluções criativas e caminhos alternativos, mesmo durante a execução.

4. O alinhamento, a estrutura e a improvisação na estratégia de SI/TI

4.1 O alinhamento

O sistema de SI/TI ganhou importância no mundo dos negócios ao longo dos últimos vinte anos por conduzir uma revolução nos processos, estruturas e relações entre os diferentes elementos das organizações. Essa revolução transformou as empresas em campos de batalha onde os sobreviventes, ensinaram e aprenderam, definitivamente, uns com os outros algumas significativas lições. Clientes, empregados, sócios e concorrentes todos foram afetados pelo novo paradigma que a moderna tecnologia introduziu, pelas novas teorias de gerenciamento e por um ambiente externo cada vez mais dinâmico.

Acadêmicos e consultores produziram uma extensa literatura sobre as vantagens competitivas que o SI/TI traria e sua relação com o planejamento estratégico das empresas. Os substanciais investimentos exigidos para a implantação de SI/TI juntamente com a complexidade das modernas organizações criaram a urgente necessidade de alguma clareza nesse domínio de intensas disputas. Os administradores, de algum modo, tem usado essas idéias em seus negócios, embora muito ainda tenha que ser discutido, tendo em vista a dificuldade de se compreender tão complexos e abstratos conceitos. Por um lado, o gigantismo das organizações, a complexidade das suas estruturas e a administração de ambos exigiam grandes inversões de capital em SI/TI para as empresas se manterem funcionado de modo atualizado. Por outro lado, os grandes investimentos em tecnologia realizados pelas organizações, aparentemente, não tem impedido que elas continuem a falir. Esse cenário paradoxo tem gerado receios por parte dos administradores mas ao mesmo tempo tem permitido uma maior abertura no sentido de se buscar uma solução para esse problema ou pelo menos procurar entendê-lo melhor.

4.2 O acoplamento estrutural

Usando os conceitos já vistos da teoria da autoprodução vejamos agora alguns pontos interessantes sobre o acoplamento estrutural que ocorre nas organizações. Sabemos que a organização não pode existir separadamente da estrutura e que esta, apesar de estar acoplada ao ambiente da empresa, só pode ser mudada em resposta a perturbações provenientes desse mesmo ambiente e do exterior, com maior ou menor intensidade, dependendo do tipo de empresa.

Nos sistemas autoproduzidos a identidade da organização é conseqüência da evolução natural da sua estrutura, como se fosse um ser vivo (ontogenia). Isto significa que a estratégia não é uma escolha livre e independente do meio. Na verdade ela é fruto da identidade que surge como resultante da evolução estrutural da empresa nas suas interações com o meio. É interessante ressaltar que essas interações só ocorrem por intermediação da própria estrutura. Podemos então dizer que a estratégia emerge como resultante das perturbações intermediadas pela estrutura nas interações com o meio, dentro das limitações impostas pela identidade da organização. Essa estratégia recebe o nome de estratégia coerente na literatura especializada. A identidade de uma organização que não decorra dessa evolução estrutural expõe o sistema ao risco de um desacoplamento estrutural, que se mantido pode acabar destruindo a empresa.

A improvisação, como corretamente identificado por Ciborra, é o processo que gera a estratégia coerente dentro do processo de transformação estrutural e, aqui, não é vista como sinônimo de "quebra-galho" ou "jeitinho", mas como a ação realizada, além da estrutura, por alguém sem autorização, mas com competência para realizá-la. Desse modo, essa ação busca manter a identidade da organização e a estrutura coerente existentes, ao mesmo tempo que ela abre espaço para buscar algo novo. Improvisação, assim definida, não é simplesmente, como se costuma imaginar, um processo informal e perigoso dentro da organização. Ela é, na verdade, a base fundamental de toda ação autoproduzida. Estamos acostumados com ela no modo como funciona a linguagem no dia-a-dia. Quando confrontados com uma situação pouco familiar ou alguma coisa inédita, nós não inventamos uma nova palavra para descrevê-la. Ao contrário, nós tratamos de improvisar palavras antigas, dentro da mesma estrutura de linguagem, que mantém seu significado conhecido mas que juntas estão sendo empregadas de modo a indicar muito além do que elas significam. Se empregássemos um conjunto inteiramente novo de palavras ninguém nos entenderia. Se usássemos a estrutura usual de palavras para descrever o que víamos não seriamos capazes de explicar a nova situação. Assim a improvisação torna mais flexível a rigidez da linguagem. A ação de descrever improvisando acaba sendo criativa, sugerindo novos vocábulos. É a língua viva, autoproduzida. A estratégia empresarial surge e se forma da mesma maneira. O processo estratégico não pode simplesmente escolher uma nova identidade para a empresa. Ela surge de um modo coerente através da improvisação e da multifunção (bricolage) em resposta a perturbações introduzidas pelo meio. O papel do administrador não é o de traçar uma estratégia para sua empresa mas sim o de interpretar e articular a nova coerência que está surgindo na interação da organização com o meio para tentar moldar e ser moldado por essa nova ordem. A estratégia está em permanente construção.

4.3 A estratégia de SI/TI e a improvisação

Muitos autores tem defendido, na literatura especializada, que a estratégia empresarial deve surgir de um processo informal e emergente, baseado na improvisação e na capacidade multifuncional dos membros de uma organização. Eles mostram que apesar de a teoria estratégica ser toda ela focada numa maneira formal e planejada de tomar decisões, a improvisação é um procedimento muito comum e está incutida nos indivíduos e nas organizações. Além disso, também ficou claro que o SI/TI pode ser um instrumento poderoso de suporte à estratégia empresarial, permitindo que processos se realizem, quando necessário, de modo improvisado. Entendendo-se improvisação como "uma dada ação onde o pensar e agir parecem ocorrer simultaneamente e no impulso daquele momento" (Ciborra). É o que os militares, estrategistas por excelência, chamam de atitude de combate. No calor da batalha, quando algo inesperado surge é preciso ir além do planejado e adota-se um procedimento de acordo com a situação. A diferença, neste caso, é que muito raramente tais procedimentos passam a ser regulamentares, enquanto nas empresas a improvisação bem sucedida pode se tornar regra.

A improvisação pode ocorrer nos baixos e altos escalões da hierarquia empresarial. Nos escalões inferiores a improvisação é vista como o meio mais rápido de se adaptar às mudanças, de modo imediato, circunstancial, peculiar, local e com acesso e disponibilidade de recursos. Já nos altos escalões, uma nova perspectiva precisa surgir para que entre os procedimentos e métodos da empresa, a improvisação seja considerada como um processo normal. A conclusão é que a improvisação é inevitável em todos os escalões, não importando o grau em que os regulamentos e as estruturas formais inibam esse comportamento. Essas idéias reforçam o conceito expresso por Mintzber de que a estratégia empresarial executada tem sempre elementos da estratégia emergente das bases, atuando como componente na estratégia deliberada e estabelecida pelos administradores. Ele também critica a capacidade dos diretores de executar e controlar a estratégia existente uma vez que ele acredita que a verdadeira estratégia emerge das bases da empresa num processo continuo de aprendizado, onde o fazer e pensar ocorrem simultaneamente. Essa idéia subverte a tradicional seqüência de administração onde o planejamento deve anteceder a execução. Na verdade, o planejamento inicial é apenas um ponto de referência que dentro de um processo interativo será influenciado retrospectivamente pela execução. Entretanto, o clássico problema da distância que existe entre o pensar (planejamento) e o fazer (execução) permanece intocado. Por isso os autores acreditam que o SI/TI, por si só, não é mais capaz de oferecer uma vantagem competitiva para as empresas, o que faz com que o alinhamento entre a estratégia de SI/TI e a estratégia empresarial se torne ainda mais complexo e crítico. Um SI/TI bem elaborado passa a ter significável importância uma vez que ele pode trazer a ação mais próxima da direção. O SI/TI deve ser a ferramenta para tentar superar o dilema imposto pelo paradoxo do pensar e fazer simultâneos. Como já mostramos, isso pode ser atingido pela improvisação, pela multifunção (bricolage) e pelo aprendizado contínuo, deixando que as idéias surjam e a estratégia possa emergir da base da organização.

5. Uma visão alternativa para a estratégia nas empresas

Nós sabemos que sem uma contínua inovação os sistemas tendem à estagnação e que sem a geração interna de diversidade os sistemas homogêneos tendem à imobilidade e se tornam improdutivos e ineficientes. Sem esses dois atributos fica difícil para uma organização superar suas crises de administração e prosperar. É essa nova visão estratégica que está sendo proposta, a partir dos modelos apresentados pelos autores já citados, onde é sugerido que sejam aplicados os conceitos da teoria da auto-organização e da autoprodução nas organizações sociais, em especial nas empresas. Não se vai discutir, aqui, se as empresas são ou não organizações autoproduzidas mas que a teoria da autoprodução nos fornece uma nova visão e revela importantes aspectos da dinâmica das empresas.

Um modelo coerente e simples será apresentado e discutido de como as empresas devem funcionar na sociedade do conhecimento e de como podemos utilizar esses novos conceitos em proveito de uma nova organização empresarial. A idéia de que as empresas sejam organizações autoproduzidas nos indica que o processo que cria a estratégia empresarial surge espontaneamente nas bases da organização e que a estratégia de SI/TI é produto do acoplamento estrutural entre a tecnologia de informação e a estratégia corporativa autoproduzida na interação entre a organização e o meio.

Essas idéias provaram ter profundas implicações para a gerência organizacional, uma vez que elas afetam o processo de formação tanto da estratégia corporativa como da estratégia de SI/TI que, por último, são responsáveis pela sobrevivência e sucesso das empresas. Vendo as organizações como sistemas complexos adaptativos e não como máquinas, nós substituímos o ponto de vista de causa e efeito mecanicista, focado na estrutura e no processo, por outro que prioriza as relações pessoais e a comunicação.

5.1 Impactos na dinâmica empresarial

Dentro desta perspectiva, uma empresa pode ser vista como um sistema com um conjunto bastante específico de características onde seus componentes principais são as pessoas, a produção (objetos ou serviços), a estratégia, a estrutura, os métodos e os processos. A combinação desses seis componentes define claramente as fronteiras da organização, que são criadas e mantidas como parte da própria organização. O processo de autoprodução está, constantemente, recriando e reforçando a identidade da organização, enrijecendo as fronteiras como forma de resistir às mudanças.

Por outro lado, o meio exterior pode ser apenas o inicializador dessas mudanças mas o grau das mudanças depende inteiramente da flexibilidade da estrutura do sistema. Em outras palavras o meio exterior tem uma influência limitada na organização. Ou seja ele pode afetar a estrutura mas nunca a organização (estrutura e organização como definidas anteriormente). Por isso, apesar das empresas estarem abertas à interatividade com o meio exterior elas, na verdade, são sistemas fechados organizacionalmente. Isto significa que elas não estão abertas a transformações propiciadas pela ação e reação com o meio, pelo contrário elas estão focadas em manter sua coerência interna advinda da conectividade dos seus elementos

O importante para uma organização é manter autoprodução num estado cíclico de perpétua preservação. E a autoprodução estará garantida desde que exista troca circular de energia com o meio exterior que preserve a identidade da empresa através de múltiplas interações.

5.2 Reflexões sobre a estratégia empresarial

Em algumas empresas é desejável manter as características de autoprodução, reforço e preservação das suas identidades. Para isso elas devem ter algum tipo de mecanismo de proteção dos agentes nocivos devidos à inevitável abertura para o meio exterior. Esse mecanismo deve possuir elementos que permitam a empresa sobreviver e crescer num mundo competitivo, reforçando suas fronteiras e fazendo com que suas estruturas funcionem como um filtro seletivo.

A estratégia corporativa parece ser um desses elementos que pode servir como um parâmetro de preservação da identidade da empresa, quando produzida dentro da firma de um modo auto-organizado num processo espontâneo emergente das bases da empresa e ao mesmo tempo estimular e direcionar o crescimento. Entretanto, os administradores podem tanto sufocar essa iniciativa, de cima para baixo, através de uma hierarquia muito rígida, como estimular seu aparecimento permitindo uma maior informalidade de procedimentos, através de estruturas mais leves e flexíveis. Esse mecanismo acaba redundando numa estratégia com muito mais variedade, flexibilidade e criatividade. Neste cenário, a organização não precisa mais constantemente aumentar sua diversidade para acompanhar a dinâmica do meio exterior e desse modo, as influências do meio são apenas perturbações, ruídos que podem estimular mudanças mas nunca impô-las efetivamente.

De um modo geral podemos dizer que a estratégia empresarial na sociedade do conhecimento deve obedecer alguns conceitos fundamentais como:

a) A estratégia empresarial é um processo auto-organizado, inevitável, que pode ser maximizado por atitudes informais e flexíveis dos administradores ou minimizado por atitudes tomadas pela hierarquia formal, de cima para baixo. Quando mais auto-organizada for a experiência da empresa na formação de sua estratégia maiores serão suas chances de sucesso.

b) As mudanças são determinadas pela natureza da estrutura da empresa. Assim, não importa o empenho em trazer novos métodos e novas tecnologias de sistemas que foram bem sucedidas em outras organizações, seguindo as tendências do mercado, essas mudanças só serão absorvidas com sucesso e adotadas pela firma se elas se ajustarem à identidade intrínseca da empresa. Não é possível ensinar um cavalo a voar, por maior que seja essa a tendência do mercado.

c) A estratégia de SI/TI é resultante do acoplamento entre a estratégia auto-organizada da corporação e a tecnologia de informação (TI), existente no ambiente interno e externo da empresa, que ocorre como conseqüência de múltiplas interações por um longo período de tempo. Além do mais, a idéia de um alinhamento mecanicista e estático está fadado ao insucesso.

Na figura abaixo, vamos explicar melhor esses conceitos. Nela, podemos ver como a estratégia empresarial, na sociedade do conhecimento, pode manter a organização funcionando dentro da zona de operação, situada sempre entre uma zona de estagnação e uma zona de instabilidade. É dentro da zona de operação que se encontram os diversos pontos de operação representados pelos círculos, indicando os momentos de estabilidade transitória, por que passam as empresas no seu processo ascendente de crescimento, saindo do ponto inicial de equilíbrio estagnado (A), no instante de criação da firma, em busca do sucesso. A linha mediana representada pelo segmento AB indica trajetória a ser perseguida e a sua inclinação depende das características de cada empresa.

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Quanto mais inclinada for a trajetória AB, na direção da posição vertical, indica que a empresa tem seu crescimento mais influenciado pela exposição que tiver ao meio (perturbações). Essas perturbações podem tanto advir do meio externo tais como: clientes, fornecedores, governo, empresas aliadas e concorrentes, mercado interno e externo, novas tecnologias, etc., como geradas no ambiente interno, nas relações interpessoais e funcionais dentro da empresa. Quanto menos inclinada for a linha AB, mais próxima da posição horizontal, indica que a empresa tem seu crescimento mais influenciado pela flexibilidade nos processos internos (improvisação) tais como: menor número de níveis hierárquicos, menor rigidez estrutural e, sobretudo, um SI/TI que rapidamente assimile essas inovações processuais.

Uma maior abertura, tanto a nível interno como externo, estimula o aparecimento de um maior número de perturbações que pode levar a empresa à zona de instabilidade, provocada pela pressão das perturbações sem a equivalente contrapartida das improvisações. Do mesmo modo, uma estratégia que permita uma grande flexibilidade estrutural, com o aparecimento de procedimentos informais que não sejam seguidos de ações para sua absorção, podem levar a empresa à zona de estagnação, onde as inovações geradas no seio da organização não encontram campo fértil para florescer e levam a empresa à paralisia funcional. Os administradores têm de saber que tipo de empresa estão dirigindo, se a linha de crescimento é mais fortemente influenciada pelas perturbações ou pelas improvisações, e buscar o perfeito balanceamento entre essas duas forças emergentes para manter a empresa sempre dentro da zona de operação.

Outro aspecto importante, representado pelos círculos dentro da zona de operação, é que as organizações autoproduzidas tendem a se estabilizar nesses pontos e sempre haverá uma resistência interna da organização em se deslocar da posição confortável de equilíbrio que se encontram. Esse equilíbrio que os elementos e os procedimentos internos atingiram podem levar a empresa a um perigoso e fatal imobilismo, devido a velocidade das transformações no mundo que vivemos. Cabe à estratégia empresarial estimular as mudanças, tanto promovendo mais aberturas como possibilitando oportunidade de maiores improvisações para sobreviver na nova sociedade do conhecimento. A maneira de atingir esses objetivos é através do emprego correto de uma estratégia de SI/TI acoplada à estratégia empresarial, mas não subordinada a esta. Desse modo os administradores sempre terão à sua disposição instrumentos, para através da correta manipulação dos meios de informação e comunicação, aumentar a abertura e a flexibilidade conforme as necessidades e no momento oportuno.

6. Conclusão

Empregando os conceitos da teoria da auto-organização e da autoprodução, foi apresentado um processo de formação e implementação da estratégia corporativa e de SI/TI, com o objetivo de prover uma nova estrutura de pensamento sobre o planejamento estratégico das empresas. Utilizando essas idéias, administradores e pesquisadores podem gerar novos métodos de trabalho e ao mesmo tempo influenciar as relações entre a corporação e o SI/TI. O principal objetivo não foi o de apresentar um modelo acabado, nem o de formular uma solução num manual pronto para ser aplicado. No passado, a imposição artificial de modelos estratégicos que as companhias fizeram a elas mesmas, parece ter sido uma das grandes razões do fracasso no emprego de SI/TI. Os conceitos da teoria da complexidade em geral e da auto-organização em particular, que originalmente vieram das ciências naturais, foram aplicados no domínio de uma ciência social a fim de explicar a formação do mecanismo da estratégia corporativa e de SI/TI. Este processo foi conduzido apresentando primeiramente uma discussão dos dilemas e paradoxos encontrados quando se faz uma transposição de domínios, tanto no plano teórico como no experimental. As idéias obtidas pela análise foram comparadas com as teorias de administração das organizações e a estratégia de SI/TI mostrando um elenco de diferentes perspectivas e modelos.

A visão contemporânea da formação da estratégia, expressa nos trabalhos de Ciborra e Mintzberg, foram os fundamentos para a compreensão deste artigo, que em última análise, é o produto da conexão entre o conceito de estratégia exposto por Ciborra e o processo de auto-organização implícito na teoria da autoprodução. Este último conceito implica num constante esforço na busca da preservação da identidade da organização que suporta a idéia da estratégia como um processo natural e não forçado dentro da empresa.

As idéias exploradas tem profundas implicações para a administração das empresas, especialmente com respeito ao processo de acoplamento estrutural entre a estratégia de SI/TI e a estratégia corporativa. Tais conceitos representam a quebra de paradigma dos modelos tradicionais normalmente adotados no mundo dos negócios. A compreensão advinda do estudo das diferentes teorias apresentadas acaba por revelar a essência escondida na maioria das abordagens e técnicas mecanicistas da atualidade. Segundo Varela e Maturana "a tradição pode ser não apenas um modo de ver e agir mas também um modo de esconder o essencial". Desse modo podemos concluir que as organizações atuais não clamam por modelos inovadores que se sobreponham aos tradicionais e logo se tornem obsoletos. Ao invés disso, elas esperam pela descoberta das suas forças inatas, algo como o despertar da sua essência como organização social. Essa idéia está implícita no conceito de auto-organização e somente ela poderá trazer a bem sucedida inovação para satisfazer as expectativas, ainda que não claramente estabelecidas, no seio das organizações.

Também, surge das análises apresentadas, que a estratégia empresarial, na sociedade do conhecimento, deve ser estabelecida a partir do confronto entre as perturbações na estrutura da empresa, provocada pelo ambiente externo e interno, e a demanda por processos de improvisação, gerando processos criativos de crescimento, coerentes com a identidade da organização. A semente geradora que torna real todo esse processo de transformações é a improvisação que surge em contraposição à rigidez hierárquica estrutural e ao planejamento racional e inflexível. Se um desses elementos se tornar muito fraco ou muito forte em relação aos demais, a improvisação será inibida ou se tornará descontrolada. Nos dois casos, a empresa correrá o risco de perder sua identidade e se desorganizar funcionalmente.

A perturbação e a improvisação estão em constante interação, fazendo com que organização pareça estar constantemente à deriva. A questão é saber qual o grau de perturbação e improvisação que é capaz de manter a organização em constante crescimento mas ainda com sua identidade própria. Por isso, na sociedade do conhecimento, a correta interpretação da identidade de uma organização é de suprema importância para o estabelecimento de todo processo de planejamento estratégico.

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Autores referenciados no texto

  1. Angell, I. & Smithson, S. (1991). "Information systems Management: Opportunities and Risks", Macmillan, London.
  2. Ciborra, C. (1994). "Strategic Information Systems", John Wiley & Sons, New York
  3. Clarissa Dolce Drysdale-Anderson (1999). "The Implications of Self-Organizing Theory for Organizational IS/IT Strategy ". London School of Economics and Political Sciences, England.
  4. Introna, L. (1998), ‘Complexity Theory and Social Systems: Is there a match?’, Proceedings of the Organizations as Complex Evolving Systems Conference (OACES).
  5. Introna, L. D. e Clarissa Dolce Drysdale-Anderson, "Alignment versus Structural Coupling: An autopoietic contribution to the IS/IT strategy debate. Offprint – ECIS (2000).
  6. Liddell Hart, Basil Henry. Strategy (2nd Edition Revised). Chapter XX (pp. 348-349) Frederick A. Praeger, Publisher: New York (1968)
  7. Mintzberg, H. (1987) ‘The Strategy Concept 1: Five Ps for Strategy’, California Management Review 30, pp: 11-24
  8. Mintzberg, H. (1994) The Rise and Fall of Strategic Planning, The Free Press, New York
  9. Prigogine I. & Nicolis, G. (1989) Exploring Complexity, WH Freeman
  10. Varela, F. & Maturana, H. (1987) The Tree of Knowledge, Shambhala, Boston

(*) Doctor of Philosophy pela University of Florida, Professor do CEFET-RJ e Conferencista Especial da Escola Superior de Guerra.

(**) Master of Sciences in Information Systems and Business pela London School of Economics (LSE), Inglaterra

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